Confira a edição de outubro de 2025 do Boletim de Jurisprudência, elaborado pelo nosso time de Imobiliário.

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PROCESSO 01

Dados do Processo

REsp nº 2174514 / SP, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 17/09/2025. DJEN 19/09/2025.

Destaque

A Terceira Turma, decidiu, por unanimidade, que, a antiga proprietária de imóvel arrematado em leilão continua responsável pelas despesas condominiais vencidas enquanto era titular do bem, mesmo que o condomínio tenha arrematado o imóvel por valor inferior ao crédito. A Corte reafirmou que as dívidas condominiais são obrigações propter rem, transmitidas automaticamente com a propriedade, mas essa característica não elimina a responsabilidade pessoal do antigo dono pelas parcelas devidas durante sua titularidade. Assim, a arrematação do bem pelo condomínio não extingue o saldo devedor remanescente, e a antiga proprietária permanece obrigada a quitá-lo. Na mesma decisão, a 3ª Turma reafirma que se o edital de leilão informa o ônus condominial, o arrematante responde inclusive por débitos anteriores. E mesmo sem menção expressa no edital, pode haver responsabilidade do arrematante se a finalidade de publicidade foi atingida por outros meios.

Ementa

DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. EXCEÇÃO DE PRÉ- EXECUTIVIDADE. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. DESPESAS CONDOMINIAIS. OBRIGAÇÃO. ARREMATAÇÃO PROPTER REM DO IMÓVEL EM LEILÃO PELO CONDOMÍNIO CREDOR. VALOR INFERIOR AO DO CRÉDITO. RESPONSABILIDADE PELO SALDO DEVEDOR.

  1. HIPÓTESE EM EXAME
  2. Exceção de pré-executividade em cumprimento de sentença oposta em 30/1/2023, da qual foi extraído o presente recurso especial, interposto em 26/9/2024 e concluso ao gabinete em 28/2/2025.
  3. QUESTÃO EM DISCUSSÃO
  4. O propósito recursal consiste em determinar se, diante da arrematação, pelo próprio condomínio, do bem imóvel que gerou a dívida condominial, por valor inferior ao do seu crédito, deve a recorrente, como antiga proprietária, ser eximida de qualquer responsabilidade pelo saldo remanescente, tendo em vista o caráter propter rem da obrigação.

III. RAZÕES DE DECIDIR

  1. A obrigação propter rem, também conhecida como obrigação ambulatória, situa-se em um ponto intermediário entre as categorias da obrigação pessoal e da obrigação real. Ela decorre de um direito real, ao qual está indissociavelmente ligada (e, nisso, assemelha-se à obrigação real); por outro lado, seu objeto é uma prestação específica do devedor, enquanto titular de direito real sobre determinada coisa (no que se assemelha à obrigação pessoal).
  2. Da mesma forma, a obrigação propter rem guarda uma de suas peculiaridades na transmissibilidade automática. A pessoa do devedor individualiza-se única e exclusivamente pela titularidade do direito real, desvinculada de qualquer manifestação da vontade do sujeito; transferindo-se a respectiva titularidade, a obrigação é igualmente transmitida.
  3. Por outro lado, não se pode deixar de mencionar a excepcionalidade das obrigações propter rem. Na medida em que elas, pela característica da transmissibilidade automática, constituem uma exceção à regra segundo a qual a obrigação limita-se aos sujeitos entre os quais é constituída, e, ao mesmo tempo, decorrem dos direitos reais, cujo rol é taxativo (numerus clausus), não é lícito ao intérprete ampliar essa categoria para além das hipóteses previstas em lei. Soma-se a isso a gravidade que pode ter a caracterização de uma obrigação como: por meio propter rem dela, o titular do direito real responde pela dívida com o seu patrimônio, no qual estará inserido, em regra, o imóvel do qual se originou a própria dívida.
  4. As despesas condominiais correspondem à modalidade por excelência de obrigação propter rem. O seu caráter de ambulatoriedade é extraído do artigo 1.345 do Código Civil, segundo o qual “o adquirente de unidade responde pelos débitos do alienante, em relação ao condomínio, inclusive

multas e juros moratórios”.

  1. Na hipótese de existência de débitos condominiais incidentes sobre imóvel arrematado em leilão, a jurisprudência desta Corte Superior consolidou o entendimento no sentido de que, “em se tratando a dívida de condomínio de obrigação ‘propter rem’, constando do edital de praça a existência de ônus incidente sobre o imóvel, o arrematante é responsável pelo pagamento das despesas condominiais vencidas, ainda que estas sejam anteriores à arrematação, admitindo-se, inclusive, a sucessão processual do antigo executado pelo arrematante” (REsp 1.672.508/SP, Terceira Turma, DJe 1º/8/2019).
  2. Admite-se, todavia, que o arrematante torne-se responsável pelas despesas condominiais vencidas antes da arrematação se, ainda que ausente tal previsão no edital de praça, pôde ele, por outros meios, ter ciência da dívida: “Se, embora por outro meio, foi atingida a finalidade de informar antecipadamente os interessados sobre as despesas condominiais aderidas ao imóvel, dando-lhes a oportunidade de, a seu critério, desistir da participação na hasta pública, não soa razoável declarar a nulidade da arrematação e do respectivo edital apenas para privilegiar a formalidade em detrimento do fim a que se destina a norma.” (REsp 1.523.696/RS, Terceira Turma, DJe 1º/3/2019).
  3. O caráter ambulatório da obrigação não é suficiente, por si só, para eximir de qualquer responsabilidade o antigo titular do direito real em caso de transferência do bem ao qual a obrigação está vinculada. Nessa hipótese, ela perde a sua natureza de obrigação ambulatória, mas continua a existir como obrigação pessoal.
  4. Permanece, portanto, a responsabilidade da antiga proprietária, ora recorrente, pelo pagamento do débito relativo às despesas condominiais vencidas no período em que o imóvel era de sua titularidade. Tendo ocorrido a arrematação por valor insuficiente para saldar a dívida de forma integral, não se justifica o provimento do recurso.
  5. DISPOSITIVO
  6. Recurso especial conhecido e não provido.

PROCESSO 02

Dados do Processo

REsp 2106548/SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, julgado em 03/09/2025.

Destaque

O STJ, no REsp nº 2.106.548/SP, decidiu que, em contratos de compra e venda de imóvel firmados após a Lei nº 13.786/2018 (Lei dos Distratos), mas configurando relação de consumo, prevalece o Código de Defesa do Consumidor (CDC) em caso de conflito de normas. Assim, a retenção máxima dos valores pagos pelo comprador inadimplente não pode ultrapassar 25%, e a taxa de fruição só é cabível se o bem estiver edificado e efetivamente usufruído. O Tribunal também entendeu que é abusiva a restituição parcelada ou diferida prevista no art. 32-A, §1º, da Lei nº 6.766/1979, determinando a devolução imediata dos valores pagos, conforme a Súmula 543/STJ. No caso concreto, o STJ decretou a rescisão dos contratos e condenou a vendedora a restituir 75% dos valores pagos, afastando a cobrança de taxa de fruição, pois os lotes eram não edificados.

Ementa

 

CIVIL E CONSUMIDOR. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE RESOLUÇÃO DE CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL C/C RESTITUIÇÃO DAS QUANTIAS PAGAS. CONTRATO CELEBRADO APÓS A LEI Nº 13.786/2018. PREVALÊNCIA DO CDC EM HIPÓTESE DE CONFLITO DE NORMAS. RESTITUIÇÃO DE VALORES. DESCONTOS AUTORIZADOS NO ART. 32-A DA LEI Nº 6.766/1979. RESPEITO AOS LIMITES EXTRAÍDOS DO CDC. NECESSIDADE. LIMITE DE RETENÇÃO DE 25% DOS VALORES PAGOS. TAXA DE FRUIÇÃO. EXCEÇÃO. COBRANÇA AUTÔNOMA. REQUISITOS. RESTITUIÇÃO DOS VALORES DE FORMA IMEDIATA. NECESSIDADE. SÚMULA 543/STJ. APLICAÇÃO.

  1. Ação de resolução de contrato de promessa de compra e venda de imóvel c/c restituição das quantias pagas, da qual foi extraído o presente recurso especial, interposto em 27/6/2023 e concluso ao gabinete em 18/12/2023.
  2. O propósito recursal é decidir (I) se o Código de Defesa do Consumidor prevalece sobre a Lei nº 13.786/2018; e (II) como deve ocorrer a restituição e a retenção dos valores pagos na hipótese de resolução de contrato de compra e venda de imóvel, submetido ao CDC e celebrado após a vigência Lei nº 13.786/2018, diante das alterações promovidas no art. 32-A da Lei nº 6.766/1979.
  3. Deve-se buscar a compatibilização entre a Lei nº 13.786/18 e o CDC, mas, havendo um conflito, prevalece este último, pois, além de conter normas de caráter principiológico, é mais especial, tendo em vista que a Lei nº 13.786/18 regulamenta todos os contratos, em geral, de compra e venda no âmbito de incorporação imobiliária ou parcelamento de solo urbano, enquanto o CDC se aplica apenas a esses contratos quando preenchido um requisito adicional: a caracterização de uma relação de consumo.
  4. Como resultado da interpretação dos arts. 51, IV, e 53 do CDC e do princípio da vedação ao enriquecimento sem causa, esta Corte extraiu a conclusão de que é abusiva a perda substancial dos valores pagos na hipótese de resolução do contrato de compra e venda de imóvel por culpa do consumidor, não podendo a retenção ultrapassar o percentual de 25% dos valores pagos pelo consumidor.
  5. O referido percentual possui natureza indenizatória e cominatória, de forma que abrange, de uma só vez, todos os valores que devem ser ressarcidos ao vendedor pela extinção do contrato por culpa do consumidor e, ainda, um reforço da garantia de que o pacto deve ser cumprido em sua integralidade. Precedente. 6. Portanto, em se tratando de resolução de contrato de compra e venda de imóvel por culpa do adquirente, em loteamento urbano, os descontos autorizados no art. 32-A da Lei nº 6.766/1979 devem ser observados como regra geral. Todavia, quando se tratar de relação de consumo, a soma dos descontos deve respeitar o limite máximo de retenção de 25% dos valores pagos, com exceção da taxa de fruição.
  6. A taxa de fruição não integra o referido percentual, pois não guarda relação direta com a rescisão contratual, mas com os benefícios que auferiu o ocupante pela fruição do bem, devendo ser cobrada em separado, salvo quando houver cláusula penal moratória estabelecida em valor equivalente ao locativo, em observância ao Tema 970/STJ. Precedente.
  7. Mesmo após a Lei nº 13.786/18, mantém-se o entendimento de que é indevida a taxa de fruição na hipótese de resolução de contrato de compra e venda de lote não edificado, porquanto a resolução não enseja qualquer enriquecimento do comprador ou empobrecimento do vendedor, e, assim, estão ausentes os requisitos para o surgimento dessa obrigação, que se funda na vedação ao enriquecimento sem causa.
  8. Assim, quando se tratar de lote edificado e não houver cláusula penal estabelecida em valor equivalente ao locativo, poderá haver a cobrança, em separado, da taxa de fruição até o equivalente a 0,75% sobre o valor atualizado do contrato, na forma do art. 32-A, II, da Lei nº 6.766/1979, além da retenção de, no máximo, 25% dos valores pagos em relação aos demais descontos previstos nesse dispositivo.
  9. A restituição somente ao término da obra ou de forma parcelada, como prevista no §1º do art. 32-A da Lei nº 6.766/1979, é uma prática abusiva, contrária aos arts. 39 e 51, II, IV e IX, do CDC, como já decidiu esta Corte (Tema 577), de modo que, considerando a prevalência do CDC, a referida alteração legislativa não se aplica nas relações de consumo, nas quais deve ocorrer a imediata restituição dos valores pagos, mantendo-se a Súmula 543/STJ.
  10. Hipótese em que os contratos foram celebrados após a Lei nº 13.786/2018, mas se trata de uma relação de consumo, de modo que a retenção dos valores pagos não pode ultrapassar o percentual de 25%, não sendo devida a taxa de fruição na espécie, por se tratar de lote não edificado.
  11. Recurso especial conhecido e parcialmente provido para julgar parcialmente procedentes os pedidos, a fim de decretar a resolução dos contratos e, por consequência, condenar a recorrida a restituir ao recorrente 75% dos valores pagos por ele.