Confira a edição de março de 2024 do Boletim de Jurisprudência, elaborado pelo nosso time de Saúde.

Para manter os clientes e contatos atualizados, a equipe reúne mensalmente os principais casos julgados nos Tribunais.

 

PROCESSO 01

Dados do Processo
Processo em segredo de justiça, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 20/2/2024.

Destaque
A equoterapia e a musicoterapia são de cobertura obrigatória pelas operadoras de planos de saúde para os beneficiários com transtornos globais do desenvolvimento, dentre eles o transtorno do espectro autista.

Informações
Cinge-se a controvérsia em verificar o dever de cobertura, pela operadora do plano de saúde, de sessões de psicopedagogia, equoterapia e musicoterapia prescritos pelo médico assistente para o tratamento de menor com transtorno do espectro autista, além da configuração do dano moral.
Embora fixando a tese quanto à taxatividade, em regra, do rol de procedimentos e eventos em saúde da Agência Nacional de Saúde – ANS, a Segunda Seção deste Tribunal negou provimento a recurso de operadora do plano de saúde, para manter acórdão da Terceira Turma que concluiu ser abusiva a recusa de cobertura de sessões de terapias especializadas prescritas para o Tratamento de Transtorno do Espectro Autista (TEA).
Especificamente quanto à psicopedagogia, a despeito da ausência de regulamentação legal, a atuação do psicopedagogo é reconhecida como ocupação pelo Ministério do Trabalho, sob o código n. 2394-25 da Classificação Brasileira de Ocupações – CBO (família dos programadores, avaliadores e orientadores de ensino) e é também considerada especialidade da psicologia (Resolução n. 14/2000 do Conselho Federal de Psicologia).
A psicopedagogia há de ser considerada como contemplada nas sessões de psicologia, as quais, de acordo com a ANS, são de cobertura obrigatória e ilimitada pelas operadoras de planos de saúde, especialmente no tratamento multidisciplinar do beneficiário com transtorno do espectro autista, obrigação essa, todavia, que, salvo previsão contratual expressa, não se estende ao acompanhamento em ambiente escolar e/ou domiciliar ou realizado por profissional do ensino.
A Terceira Turma consolidou o entendimento de que, sendo a equoterapia e a musicoterapia métodos eficientes de reabilitação da pessoa com deficiência, hão de ser tidas como de cobertura obrigatória pelas operadoras de planos de saúde para os beneficiários com transtornos globais do desenvolvimento, dentre eles o transtorno do espectro autista.

 

PROCESSO 02

Dados do Processo
AgInt no AREsp 2.183.704-SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 2/10/2023, DJe 17/10/2023.

Destaque
A regulamentação e a fiscalização dos denominados “cartões de descontos em serviços de saúde” são de competência da Agência Nacional de Saúde.

Ementa
Processual civil e consumidor. Direito à saúde. Ação civil pública. “cartão de descontos em serviço de saúde”. Oferecimento de rede credenciada ou referenciada. Vulnerabilidade do consumidor. Necessidade de fiscalização e regulamentação pela ANS. Subsunção à Lei 9.656/98 e à legislação consumerista.

  1. Inicialmente, nota-se que as questões fáticas e jurídicas, relativas ao sistema de funcionamento dos chamados “cartões de desconto em serviço de saúde”, bem como a sujeição deste sistema à Lei 9.656/98 e à legislação consumerista, foram bem delimitadas no acórdão objurgado e impugnadas por meio de Recurso Especial.
  2. Ocorre que o entendimento do Tribunal de origem quanto à competência fiscalizatória e regulatória da ANS, in casu, merece reforma. Na hipótese dos autos, a Lei 9.656/1998 (que dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde), em seus arts. 1º, § 1º, e 16, informa que as pessoas jurídicas de direito privado que operam planos de assistência à saúde se submetem às suas disposições, estando subordinadas às normas e à fiscalização da Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS qualquer modalidade de produto, serviço e contrato que apresente, além da garantia de cobertura financeira de riscos de assistência médica, hospitalar e odontológica, outras características que a diferenciem de atividade exclusivamente financeira, tal como: “oferecimento de rede credenciada ou referenciada”, sendo exatamente este o tipo de produto oferecido pelas empresas comercializadoras dos denominados “cartões de desconto em serviços de saúde”.
  3. Tais dispositivos devem seR interpretados sistematicamente com o Código de Proteção e Defesa do Consumidor (CDC), especialmente com os arts. 2º e 6º, I, III, IV e VI – voltados à defesa dos direitos que transcendem o individual, como é o caso da saúde, consagrando o direito à tutela da vida, da integridade física e a efetiva prevenção dos danos que puderem advir de práticas abusivas.
  4. Com efeito, ficou evidenciado no acórdão vergastado e nas declarações da própria autarquia a já reiterada atuação da ANS sobre o multicitado sistema de “cartões de desconto em serviços de saúde”, que inclusive desaconselha a contratação desse tipo de produto por entender tratar-se de mecanismo que vulnera o consumidor justamente em situações nas quais este se encontra em maior risco.
  5. A vulnerabilidade dos consumidores que contratam e se valem de tais “cartões de desconto em serviços de saúde” – via de regra economicamente hipossuficientes sob o ponto de vista técnico, jurídico e econômico – evidencia e reforça a necessidade da regulamentação e fiscalização desse produto pela Agência Nacional de Saúde – ANS, de forma a tutelar a vida, a saúde e a segurança dos consumidores, nos exatos termos da Lei Consumerista e da Lei 9.656/98. Bem assim, a atuação da ANS, in casu, decorre da necessidade de garantir a clareza e a adequação das informações sobre esses produtos, assegurando que seus usuários compreendam eventuais diferenças existentes para com os tradicionais planos de saúde.
  6. Ademais, o STJ já teve a oportunidade de julgar, na Corte Especial, a legitimidade do ato administrativo da ANS consistente na suspensão de comercialização de produtos (planos de saúde) avaliados negativamente pela autarquia federal. Deve, assim, tal entendimento se estender – principalmente – aos chamados “cartões de desconto em serviços de saúde”, que seguem a mesma sistemática de oferta, com descontos, de rede credenciada ou referenciada de atendimento em saúde aos consumidores, porquanto se assemelham aos planos de saúde em regime de coparticipação, sendo irrelevante, para efeito de tutela dos direitos do consumidor, o fato de os pagamentos aos profissionais de saúde serem realizados diretamente pelos usuários, e não pelo plano de saúde.
  7. Mister reconhecer e declarar que a regulamentação e a fiscalização dos denominados “cartões de descontos em serviços de saúde” são de competência da Agência Nacional de Saúde – ANS.
  8. Agravo Interno não provido.

 

PROCESSO 03

Dados do Processo
REsp 1.311.662-RJ, Rel. Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 12/9/2023, DJe 21/9/2023.

Destaque
Não se mostra arbitrária ou discriminatória a exclusão, dos quadros da cooperativa, de médico cooperado que fundou nova cooperativa médica para operar no mesmo campo econômico da anterior, gerando evidente conflito de interesses.

Informações
Direito civil. Empresarial. Recurso especial. Cooperativa de trabalho médico. Exclusão de cooperado. Criação de cooperativa concorrente. Conflito de interesses configurado. Rompimento do pacto cooperativo. Inexistência de cláusula de exclusividade (unimilitância) ou de restrição à atividade profissional. Recurso especial desprovido.

  1. Nos termos do art. 29, § 4º, da Lei 5.764/71, “Não poderão ingressar no quadro das cooperativas os agentes de comércio e empresários que operem no mesmo campo econômico da sociedade”.
  2. O estatuto social da cooperativa recorrida dispõe, em síntese, que o médico cooperado não poderá exercer exploração comercial no ramo da cooperativa ou ocupar cargos de direção e compor órgãos sociais de outras operadoras de plano de saúde, sem, contudo, exigir exclusividade de atuação (cláusula de unimilitância).
  3. Na hipótese, a exclusão do recorrente dos quadros da cooperativa recorrida não decorreu de exigência de exclusividade, mas do rompimento do pacto cooperativo em razão de ter ele, conjuntamente com outros médicos cooperados, fundado nova cooperativa, no mesmo ramo de atuação daquela, para concorrer diretamente, gerando evidente conflito de interesses. Desse modo, não se mostra arbitrária ou discriminatória a exclusão, tampouco importa indevida restrição à atividade profissional dos cooperados.
  4. Recurso especial a que se nega provimento.