Confira a edição de setembro de 2025 do Boletim de Jurisprudência elaborado pelo nosso time de Seguros.
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1.DADOS DO PROCESSO
STJ, AgInt no REsp 2015204/SP, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, por maioria, julgado em 12/08/2025, DJen 08/09/2025.
Acordam os Ministros da QUARTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, após o voto-vista da Ministra Maria Isabel Gallotti dando provimento ao agravo interno, para dar provimento ao recurso especial, divergindo do relator, e o voto do Ministro Marco Buzzi acompanhando o relator, e os votos dos Ministros João Otávio de Noronha e Raul Araújo acompanhando o relator, por maioria, negar provimento ao agravo interno, nos termos do voto do relator.
Votou vencida a Sra. Ministra Maria Isabel Gallotti.
Votaram com o Sr. Ministro Antonio Carlos Ferreira os Srs. Ministros João Otávio de Noronha, Raul Araújo e Marco Buzzi.
DESTAQUE
Trecho do voto do Min. Relator:
“Destaque-se que, de acordo com a jurisprudência desta Corte Superior, mesmo em contratos de seguro de vida em grupo, a longa duração do vínculo contratual impede que a seguradora modifique abruptamente as condições da apólice ou se recuse a renová-la”.
–
Trecho do voto-vista (divergência) da Mina. Maria Isabel Gallotti:
“Penso que esse entendimento, já acolhido pela Segunda Seção nos três últimos acórdãos em que se debruçou sobre o tema, deve prevalecer também no presente caso, em que a apólice de seguro, inicialmente contratada como seguro individual renovado anualmente, passou a ser contratada na modalidade de seguro coletivo, sempre pelo período de um ano, sem que se tenha cogitado de que se tratasse de seguro individual vitalício, com formação de reserva matemática em nome do autor.
De fato, conforme leciona Sérgio Rangel Guimarães, na dissertação de mestrado defendida perante a Universidade Federal do Rio Grande do Sul, intitulada “Fundamentação técnica e atuarial dos seguros de vida: um estudo comparativo entre o seguro de vida individual e o seguro de vida em grupo no Brasíl”, mencionada no voto do Ministro Massami Uyeda, não há provisão de benefícios a conceder no seguro de vida em grupo e nem no seguro individual contratado na modalidade temporária, isto é, que não seja vitalício ou plurianual. Confira-se:
(…)
Para melhor compreensão, transcrevo a seguinte exposição de Fábio Ulhoa Coelho, que demonstra com clareza a distinção entre os seguros de vida individual vitalício ou plurianual, e os em grupo, sob o prisma dos respectivos regimes financeiros aos quais estão submetidos:
(…)
Considero, pois, que, apenas nos contratos individuais vitalícios ou plurianuais há a formação de provisão matemática de benefícios a conceder, calculada atuarialmente no início do contrato, a qual possibilita a manutenção nivelada do prêmio, que permanece inalterado mesmo com o envelhecimento do segurado e o aumento do risco. Por outro lado, em caso de resolução do contrato no curso de sua vigência, cabe a restituição da reserva já formada aplicando-se a regra estabelecida no art. 796, parágrafo único, do CC/2002, de modo a evitar o enriquecimento sem causa do segurador.
Nos contratos de seguro coletivos e nos individuais celebrados por prazo determinado, de vigência transitória, por natureza, o regime financeiro é o de repartição simples. Os prêmios arrecadados do grupo de segurados ao longo do período de vigência do contrato foram atuarialmente calculados para o pagamento dos sinistros ocorridos naquele período. A reserva técnica é constituída em favor do grupo ou da carteira de apólices e, ao fim do prazo de vigência anual, ficará a seguradora com o saldo, se houver menos sinistros do que previsto ou com o prejuízo se as indenizações superarem o estimado. Não se trata de contrato de capitalização, nem de poupança ou investimento financeiro. Findo o prazo do contrato, pouco importa quantas vezes tenha sido renovado, não haverá reserva matemática vinculada a cada participante e, portanto, não há direito à renovação da apólice sem a concordância da seguradora e nem à restituição dos prêmios pagos em contraprestação à cobertura do risco no período delimitado no contrato.
Assim, nessas modalidades, mesmo que o segurado tenha tido o contrato renovado por décadas, não se formou uma poupança, pecúlio ou plano de previdência, que lhe garantiria, ou a seus beneficiários, segurança na velhice. Suas contribuições (prêmio), ano a ano, esgotaram-se na cobertura dos sinistros no período, realizadas, como já enfatizado, pelo sistema de repartição simples.
Se não houve o sinistro, nem por isso tem direito à devolução dos prêmios pagos como contraprestação pela cobertura no período de vigência da apólice, ou à sua renovação, nas mesmas bases, sem a reavaliação dos riscos e do prêmio.
Não existe reserva ou provisão matemática de benefícios a conceder, caraterística exclusiva de contratos de seguro de vida individuais vitalícios, como acima demonstrado, motivo pelo qual não há como ser ordenada a continuidade indefinida do contrato, sem a reavaliação do risco e recálculo do valor dos prêmios, como pretende a recorrida.
Ademais, o autor em momento algum questionou o desequilíbrio atuarial no contrato, argumento invocado pela seguradora ao comunicar que não seria ele renovado e oferecer novo produto. As instâncias de origem, por sua vez, limitaram-se a examinar o tema submetido à apreciação judicial exclusivamente com base nas normas gerais protetivas do Código de Defesa do Consumidor e concluíram pela obrigatoriedade de renovação de contrato de seguro de vida individual contratado de forma temporária, posicionamento, como visto, contrário à natureza e regência legal do contrato de seguro, conforme orientação da Segunda Seção no julgamento do RESP 880.605/RN e em precedentes posteriores, nos quais também foi afastada a possibilidade de o longo prazo em que o contrato foi renovado determinar a renovação perpétua da apólice.
A esse respeito, são pertinentes os seguintes argumentos de Humberto Theodoro Jr, ao abordar especificamente a questão da não renovação de seguro de vida tendo em vista a aplicação do CDC a essa espécie de contrato:
(…)
Ademais, o princípio da boa-fé objetiva (CC/2002, art. 422) visa a manter a relação de lealdade e confiança entre os contratantes, razão pela deve ser observado por ambas as partes.
Findo o prazo de vigência delimitado na apólice, não há direito à renovação respectiva, bastando a notificação tempestiva ao segurado de que a apólice não será renovada pela seguradora.
Com efeito, após o término do prazo de vigência da apólice, os prêmios arrecadados serviram para pagamento dos sinistros no período e para remunerar a seguradora, pelo sistema de repartição simples. Em relação àqueles que não sofreram sinistro, receberam, todavia, a prestação contratada, a saber, tiveram o risco coberto no período delimitado no contrato. Não havendo no seguro em grupo e no individual por prazo determinado formação de reserva matemática acumulada para cobertura de risco em períodos subsequentes, nada mais têm as partes a demandar uma em relação a outra em relação à apólice finda, sendo a elas possibilitado renovar o seguro por um novo período, caso ambas assim o desejem.
Diante disso, reafirmo o entendimento que externei no voto que proferi no RESP 880.605/RN no sentido de que a natureza dos contratos de seguro de vida em grupo ou mesmo os individuais que não sejam vitalícios ou plurianuais autoriza a não renovação, sendo certo que são eles destinados à cobertura de sinistro pela seguradora, mediante o pagamento do prêmio pelo segurado, no período de vigência da apólice e não à constituição de poupança ou plano de previdência privada.
Nesse sentido, são apropriadas as advertências do Ministro João Otávio de Noronha, no voto proferido no já citado RESP 1.073.595/MG, que, a despeito de destinadas ao contrato de seguro de vida em grupo, aplicam-se aos individuais celebrados por prazo determinado, na medida em que o montante dos prêmios arrecadados do conjunto dos contratos dessa natureza, e que formam a carteira administrada pelo segurador, é que irá lastrear o pagamento das eventuais indenizações demandadas pelos segurados integrantes dessa mesma carteira:
(…)
Assim, uma vez reconhecida a legalidade da cláusula de não renovação do seguro de vida em grupo ou individual firmado em caráter temporário, a qual é faculdade conferida a ambas as partes do contrato, deve ser julgado improcedente o pedido formulado na inicial.
Por fim, observo que o presente voto não analisou as novas regras trazidas pela Lei 15.040/2024, as quais somente entrarão em vigor após decorrido o prazo de um ano de sua publicação, que se deu em 10.12.2024, não incidindo, portanto, no julgamento do presente caso. Cumpre, porém, observar que, em sua essência, continuam válidos os princípios do mutualismo, da possibilidade de não renovação dos contratos de seguro de vida após o término de sua vigência e, sobretudo, da necessidade de reavaliação do risco, a fim de assegurar o equilíbrio atuarial dos seguros em grupo e das carteiras de seguros individuais temporários, em benefício não apenas das empresas seguradoras, mas também da massa de segurados.
Em face do exposto, com a devida vênia do Relator, dou provimento ao recurso especial, para julgar improcedente o pedido.
É como voto.
TEMA
O STJ se propôs a analisar a não renovação de seguro de vida firmado há longo período de tempo, tendo como base a teoria dos contratos relacionais, contratos cativos. Seguradora: Allianz.
QUESTÃO CONTROVERTIDA
A Quarta Turma entendeu, por maioria, que a não renovação, neste contexto, seria abusiva por ferir a boa-fé objetiva e a confiança. O julgado restou assim ementado:
DIREITO CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. SEGURO DE VIDA INDIVIDUAL. REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO DOS AUTOS E INTERPRETAÇÃO DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS. INADMISSIBILIDADE. SÚMULAS N. 5 E 7 DO STJ. FALTA DE PREQUESTIONAMENTO. NÃO RENOVAÇÃO ABUSIVA. PRINCÍPIOS DA BOA-FÉ OBJETIVA E DA CONFIANÇA. DECISÃO MANTIDA.
- Caso em exame
- Recurso especial interposto contra acórdão que manteve sentença, a qual determinou a renovação de contrato de seguro de vida individual, após vinte anos de vigência, diante da negativa de renovação pela seguradora.
- Questão em discussão
- Consiste em saber se a recusa da renovação de contrato de seguro de vida individual, após longo período de renovações automáticas, configura prática abusiva, em violação aos princípios da boa-fé objetiva e da confiança.
III. Razões de decidir
- Segundo a jurisprudência pacífica desta Corte Superior, a recusa da renovação de seguro de vida individual, após longo período de renovações automáticas, ofende os princípios da boa-fé objetiva e da confiança, sendo abusiva.
- A revisão da caracterização do seguro como individual ou de grupo demandaria reexame de fatos e provas, o que é vedado em recurso especial, conforme as Súmulas n. 5 e 7 do STJ.
- Ausente o enfrentamento da matéria pelo acórdão recorrido, mesmo após a oposição de embargos declaratórios, inviável o conhecimento do recurso especial, por falta de prequestionamento. Incidência da Súmula n. 211/STJ.
- Dispositivo e tese
- Recurso desprovido.
2. DADOS DO PROCESSO
STJ, AREsp 2797634/MG, Rela. Mina. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 25/08/2025, DJen 01/09/2025.
DESTAQUE
O acórdão recorrido, ao entender como indevida a indenização securitária, divergiu da jurisprudência do STJ quanto ao tema, firmada no sentido de que:
- i) no contrato de seguro de vida, ocorrendo o sinistro morte do segurado e inexistente a má-fé dele (a exemplo da sonegação de informações sobre eventual estado de saúde precário – doenças preexistentes – quando do preenchimento do questionário de risco) ou o suicídio no prazo de carência, a indenização securitária deve ser paga ao beneficiário, visto que a cobertura neste ramo é ampla; as cláusulas restritivas do dever de indenizar no contrato de seguro de vida são mais raras, visto que não podem esvaziar a finalidade do contrato, sendo da essência do seguro de vida um permanente e contínuo agravamento do risco segurado (REsp n. 1.665.701/RS, Terceira Turma, DJe de 31/5/2017; e AgInt nos EDcl no REsp n. 1.817.854/RS, Quarta Turma, DJe de 3/7/2023);
- ii) em modalidade de seguro de pessoas, a discussão acerca do suposto agravamento do risco do sinistro pelo segurado é desnecessária (REsp n. 2.045.637 /SC, Terceira Turma, DJe de 11/5/2023).
Logo, o recurso especial merece provimento.
TEMA
O precedente analisou as cláusulas restritivas, que devem ser afastadas quando ausente a má-fé do segurado, sob pena de esvaziar o contrato de seguro de vida.
QUESTÃO CONTROVERTIDA
Cinge-se a controvérsia acerca das cláusulas restritivas/limitativas de risco em seguro de vida quando do sinistro MORTE. O julgado restou assim ementado:
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE COBRANÇA CUMULADA COM COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS. NEGATIVA DE PAGAMENTO DE INDENIZAÇÃO SECURITÁRIA. FALECIMENTO DO SEGURADO EM ACIDENTE DE TRÂNSITO. SEGURO DE VIDA. MODALIDADE DE SEGURO DE PESSOAS. COBERTURA AMPLA. IMPOSSIBILIDADE DE EXCLUSÃO DA COBERTURA COM FUNDAMENTO NO AGRAVAMENTO DO RISCO.
- Ação de cobrança cumulada com compensação por danos morais em razão de negativa de pagamento de indenização securitária decorrente de falecimento do segurado em acidente de trânsito.
- No contrato de seguro de vida, ocorrendo o sinistro morte do segurado e inexistente a má-fé dele (a exemplo da sonegação de informações sobre eventual estado de saúde precário – doenças preexistentes – quando do preenchimento do questionário de risco) ou o suicídio no prazo de carência, a indenização securitária deve ser paga ao beneficiário, visto que a cobertura neste ramo é ampla; as cláusulas restritivas do dever de indenizar no contrato de seguro de vida são mais raras, visto que não podem esvaziar a finalidade do contrato, sendo da essência do seguro de vida um permanente e contínuo agravamento do risco segurado. Precedentes.
- Em modalidade de seguro de pessoas, a discussão acerca do suposto agravamento do risco do sinistro pelo segurado é desnecessária. Precedentes.
- Agravo conhecido. Recurso especial conhecido e provido.