1) Recurso Especial nº 2.139.696/SP – STJ decide que a administração tributária estadual não pode adotar simultaneamente dois modelos de base de cálculo presumida na substituição tributária para frente do ICMS
A Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça decidiu que a administração tributária estadual não pode adotar simultaneamente dois modelos de base de cálculo presumida na substituição tributária para frente do ICMS no setor de bebidas, notadamente o Preço Médio Ponderado ao Consumidor Final e a Margem de Valor Agregado.
A controvérsia envolvia portarias que criavam gatilhos para a migração automática da pauta para a MVA quando o preço praticado na operação própria do substituto superava o valor tabelado.
O Tribunal observou que o artigo 8º da Lei Complementar nº 87/1996 define modelos alternativos, e não cumulativos, para a fixação da base de cálculo presumida, entre eles o preço final a consumidor usualmente praticado no mercado, apurado por média ponderada, e a metodologia baseada em margem de valor agregado. Escolhido o PMPF pela legislação estadual, sua aplicação exclui a convivência concorrente com a MVA, sob pena de violação da legalidade estrita e de criação de um sistema híbrido sem amparo em lei complementar.
A razão de decidir da Corte assenta-se no fato de que o PMPF deve refletir a média ponderada de preços de mercado, incorporando variações para cima e para baixo, de modo que tratá-lo como teto para impedir preços superiores e deflagrar a aplicação da MVA distorce a própria essência do modelo. Identificada defasagem na pauta, a administração deve promover novos estudos para atualizá-la ou, se conveniente, alterar o modelo por via legislativa, nunca por meio de portarias que, na prática, instituem progressividade e extrafiscalidade indevidas.
No plano prático, a orientação fortalece a posição de contribuintes autuados com base em critérios híbridos, abrindo espaço para a anulação de lançamentos e a restituição do ICMS‑ST recolhido a maior, ao mesmo tempo em que estimula os fiscos estaduais a revisarem suas pautas e, se necessário, a migrarem formalmente para a metodologia de MVA mediante alteração legislativa.
Para ilustrar o alcance da decisão, se a pauta vigente para determinado produto é de dez reais e o preço da operação própria do substituto alcança dez reais e cinquenta centavos, não há autorização para substituir o PMPF pela MVA apenas por causa dessa diferença, permanecendo válida a base pautada enquanto ela for o modelo eleito. O ajuste adequado, nesse caso, é a revisão da pauta com base em pesquisas atualizadas, e não a autuação pontual fundada na superação do preço médio.
2) Acórdão 3102-002.895 – CARF valida planejamento tributário intragrupo, que tem por objeto a constituição de uma empresa industrial no regime monofásico e uma empresa comercial adquirente dos produtos fabricados no regime não cumulativo com operações alíquota zero, de forma a reduzir as contribuições do PIS/COFINS – Ausência legal de definição de Valor Mínimo Tributável para operação envolvendo PIS/COFINS
A 2ª Turma da 1ª Câmara da 3ª Seção do CARF decidiu pelo cancelamento do auto de infração, bem como das penalidades e dos juros aplicados, em caso no qual a RFB acusava o contribuinte de adotar planejamento tributário abusivo. O litígio envolveu um tema de grande controvérsia na jurisprudência e na doutrina, que é justamente os limites do planejamento tributário e, por via reflexa, os limites da atuação da autoridade fiscal contra tais planejamentos formulados.
No caso em análise, a autuação teve origem em lançamento de ofício de PIS e Cofins apurados pela sistemática monofásica entre 2017 e 2019. A autoridade fiscal concluiu que a Savoy Indústria de Cosméticos S.A. teria estruturado um planejamento ilícito para reduzir o pagamento das contribuições, chegando a apontar possível crime contra a ordem tributária. Além disso, imputou responsabilidade solidária à controladora Coty Brasil Comércio S.A., com fundamento no art. 124, I, do CTN.
A referida redução tributária ocorreu por meio da utilização de empresa interligada e/ou subsidiária integral do grupo (Coty Brasil Comércio S.A.) para simular a compra dos produtos da contribuinte (Savoy Indústria de Cosméticos S.A.) no mercado interno a preços inferiores aos de mercado, beneficiando-se, assim, de uma redução expressiva do PIS e da Cofins apurados sob a sistemática monofásica. A empresa interligada, por sua vez, revendia os produtos ao consumidor final por valores de mercado, com alíquota zero para essas contribuições, o que teria gerado vantagem tributária ao grupo econômico como um todo.
Em sua defesa, o contribuinte sustentou que o auto de infração não indicava nenhum dispositivo legal que proibisse as operações ou autorizasse o arbitramento da base de cálculo, além de demonstrar que havia razões econômicas legítimas para a segregação das atividades industrial e comercial.
Ao examinar o caso, o CARF observou que a autoridade fiscal incorreu em erro terminológico ao afirmar que houve subfaturamento, uma vez que esse pressupõe falsidade material ou ideológica, o que não foi comprovado. Destacaram, ainda, que os negócios jurídicos celebrados são válidos, mesmo que realizados com o propósito exclusivo de reduzir a carga tributária, inexistindo infração na ausência de simulação ou falsidade.
Assim, o colegiado concluiu que a fiscalização não comprovou a existência de planejamento ilícito nem de subfaturamento nas operações entre a Savoy e a Coty. Entendeu também que foi indevida a requalificação dos fatos jurídicos pela autoridade fiscal.
Por fim, o CARF decidiu que as operações realizadas entre a Savoy e sua controladora, Coty Brasil, por preços inferiores aos de mercado, eram lícitas e válidas, ainda que tivessem como finalidade a redução da carga tributária.