1) Acórdão nº 1102-001.702 – CARF afasta glosa de JCP por falta de previsão legal do regime de competência e inexistência de prejuízo ao Fisco
A 2ª Turma Ordinária da 1ª Câmara da 1ª Seção do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) deu parcial provimento ao recurso de contribuinte, para afastar a glosa de Juros sobre Capital Próprio (JCP) que havia sido feita pelo Fisco sob alegação de falta de previsão legal do regime de competência.
A autuação se baseou no art. 4º da Instrução Normativa SRF nº 41/98, que determina o registro dos JCP segundo o regime de competência. A Turma do CARF, por sua vez, destacou que a lei que institui o JCP, por consagrar um benefício fiscal, deve ser interpretada literalmente, à luz do art. 111 do Código Tributário Nacional (CTN), não podendo a Administração Tributária agregar requisitos não previstos em lei, sob pena de contrariar o princípio da estrita legalidade e a vinculação da atividade administrativa, nos termos do art. 3º do CTN.
Os Conselheiros também reforçaram que, do ponto de vista contábil, não é coerente reconhecer um dispêndio cuja contrapartida é um passivo antes da própria existência deste passivo, lembrando que, conforme o CPC 25, passivos e provisões somente devem ser registrados quando houver probabilidade de saída de recursos (caixa ou equivalentes) e adequada mensuração.
Essa linha de raciocínio está em harmonia com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que, no REsp nº 1.955.120/SP, assentou que: (i) a legislação não impõe limitação temporal para a dedução de JCP referentes a exercícios anteriores; (ii) a obrigação de pagar JCP nasce com a deliberação do órgão societário competente; e (iii) é compatível com o regime de competência reconhecer contabilmente a obrigação no momento em que se delibera e paga JCP relativos a períodos pretéritos, desde que respeitados os limites de dedução de 50% do lucro líquido ou dos lucros acumulados e reservas de lucros.
A Turma do CARF também afirmou que, mesmo que se admitisse algum equívoco no período de escrituração, ainda assim, o lançamento deveria ser cancelado com fundamento no art. 6º, § 5º, do Decreto-Lei nº 1.598/77. O referido dispositivo prevê que a inexatidão quanto ao período-base de escrituração de receita, dedução ou reconhecimento de lucro somente pode fundamentar lançamento de imposto se resultar em postergação do pagamento do tributo para exercício posterior ou em redução indevida do lucro real em qualquer período-base.
Portanto, no caso concreto, ao reconhecer o JCP de forma retroativa, o contribuinte, em realidade, antecipou a tributação, de modo que eventual erro na observância do regime de competência não acarretaria prejuízo ao Fisco. Por conseguinte, o Colegiado concluiu que não havia suporte legal para a glosa e consolidou o entendimento da validade de dedução dos valores de pagamento de JCP referente a períodos pretéritos.
2) SC COSIT n° 198 – Exclusão do ICMS-Difal da base de cálculo da contribuição para o PIS e a COFINS
O Órgão Consultivo da Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB), por meio da Solução de Consulta COSIT nº 198/2025, firmou entendimento no sentido de que o ICMS-Difal não deve compor a base de cálculo do PIS e da COFINS, por não se enquadrar no conceito de receita bruta, porém desde que observados determinados requisitos.
O caso analisado envolvia pessoa jurídica tributada pelo lucro presumido, atuante na fabricação de produtos de perfumaria e cosméticos, que, ao passar a vender mercadorias para consumidores finais não contribuintes de outros Estados (pessoas físicas), tornou-se contribuinte do diferencial de alíquota (Difal) do ICMS, e questionou a possibilidade de excluir o valor do Difal da base das contribuições nas operações interestaduais destinadas a tais consumidores.
Ao apreciar a consulta, a RFB relembrou que, tanto no regime cumulativo quanto no não cumulativo, a base de incidência do PIS e da COFINS é o faturamento, entendido como a receita bruta, nos termos do art. 12 do Decreto-Lei nº 1.598/77, e destacou que, conforme regulamentação vigente, podem ser excluídos da base de cálculo das contribuições os valores de ICMS destacados no documento fiscal, desde que a receita correspondente não esteja sujeita a suspensão, isenção, alíquota zero ou não incidência das contribuições.
A RFB também resgatou entendimento vinculante já firmado na Solução de Consulta COSIT nº 140/2023, na qual se reconheceu que o ICMS-Difal, embora seja tributo distinto do ICMS normal, é de responsabilidade do remetente nas operações destinadas a consumidor final não contribuinte localizado em outro Estado e representa parcela do preço que não se qualifica como nova receita da empresa.
Com base nessas premissas, a Receita concluiu que o valor do diferencial de alíquota do ICMS integra o preço da operação, mas não configura receita própria do contribuinte, podendo, portanto, ser excluído da base de cálculo do PIS e da COFINS, nas hipóteses em que o contribuinte figure como responsável pelo Difal, desde que: (i) a correspondente receita de venda não tenha sido realizada com suspensão, isenção, alíquota zero ou fora do campo de incidência das contribuições; e (ii) o ICMS, incluído o Difal, esteja regularmente destacado no documento fiscal.
Em síntese, o entendimento consolida o tratamento desse valor à lógica já aplicada ao ICMS destacado, na medida em que ambos apenas compõem o valor do produto, sem representar ingresso de receita nova no caixa da empresa, que é o fato gerador dos tributos mencionados.
3) SC COSIT n° 202/2025 – RFB afasta tratamento da redução de base de cálculo do ICMS no Rio de Janeiro como subvenção para investimento excludente da base do IRPJ e da CSLL
A RFB firmou entendimento no sentindo de que o art. 30 da Lei nº 12.973/2014, interpretando a redução de base de cálculo do ICMS concedida pelo Estado do RJ nas operações com veículos novos e usados, não pode ser tratada como subvenção para investimento excludente do lucro real e da base de cálculo da CSLL, porque não gera acréscimo patrimonial decorrente de transferência de recursos pelo poder público, não sendo possível excluir tais valores da tributação de IRPJ/CSLL.
Inicialmente, a RFB esclareceu que a Medida Provisória nº 1.185/2023, convertida na Lei nº 14.789/2023, revogou o art. 30 da Lei nº 12.973/2014, com efeitos a partir de 1.01.2024, de modo que a solução de consulta se limitaria aos fatos ocorridos até 31.12.2023, permanecendo os eventos posteriores sob o regime da nova legislação, que não foi objeto do questionamento.
O caso concreto envolvia sociedade varejista de veículos estabelecida no Estado do Rio de Janeiro e tributada com base no lucro real. A controvérsia apresentada restringia-se à possibilidade de tratar como subvenção para investimento, para fins de exclusão na apuração do lucro real e da base de cálculo da CSLL, a desoneração parcial de ICMS decorrente da redução da base de cálculo prevista no Regulamento de ICMS do RJ para operações com veículos novos e usados, sustentando a consulente que tal benefício fiscal deveria ser enquadrado no art. 30 da Lei nº 12.973/2014, e que bastaria, para tanto, que o correspondente valor fosse integralmente destinado à formação de reserva de lucros e à expansão ou aprimoramento da atividade empresarial.
A empresa argumentou que, após a Lei Complementar nº 160/2017, que incluiu o § 4º no art. 30 da Lei nº 12.973/2014, os incentivos e benefícios fiscais de ICMS concedidos pelos Estados e pelo Distrito Federal passaram a ser considerados, em bloco, como subvenções para investimento, dispensando-se qualquer prova acerca da intenção do ente subvencionador. O contribuinte afirmou que esse entendimento teria sido chancelado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) no REsp nº 1.968.755/PR, no qual se afastou a necessidade de demonstrar que os incentivos de ICMS foram concedidos como estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos.
Ao examinar o pedido, a Receita Federal analisou o teor do art. 30 da Lei nº 12.973/2014 vigente à época, enfatizando que esse dispositivo autorizava a exclusão, na determinação do lucro real e da base de cálculo da CSLL, das receitas qualificadas como subvenções para investimento, inclusive as concedidas mediante isenção ou redução de ICMS, porém condicionava essa exclusão ao atendimento de requisitos específicos: a subvenção deveria ser concedida como estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos e os valores deveriam ser registrados em reserva de lucros nos termos do art. 195-A da Lei nº 6.404/1976, com utilização restrita à absorção de prejuízos ou aumento de capital.
A RFB destacou, ainda, que o §4º, introduzido pela Lei Complementar nº 160/2017, ao reconhecer os incentivos e benefícios fiscais de ICMS como subvenção para investimento, supostamente não teria afastado tais requisitos essenciais, mas apenas vedado a imposição de novos requisitos além dos já contidos no próprio art. 30 da referida norma, de modo que não teria havido uma equiparação automática e incondicionada de qualquer benefício de ICMS a subvenção para investimento.
Na Solução de Consulta, foi citado o Ato Declaratório Interpretativo RFB nº 4/2024, que, embora posterior, consolida a interpretação da finalidade do art. 30: impedir que o acréscimo patrimonial decorrente de transferências de recursos qualificadas como subvenções para investimento, realizadas por pessoas jurídicas de direito público, fosse computado na apuração do lucro real.
Aplicando esses critérios ao caso concreto, a Receita concluiu que a redução de base de cálculo de ICMS nas operações com veículos novos e usados no RJ não gera, em si, um acréscimo patrimonial a ser reconhecido como receita de subvenção, mas apenas uma diminuição do valor do tributo devido sobre o faturamento das operações, não configurando a espécie de transferência de recursos públicos a que se dirige o regime do art. 30. Como não haveria ingresso autônomo de recursos ou aumento do patrimônio líquido decorrente da suposta subvenção, mas apenas menor desembolso tributário, não se verificaria o pressuposto material para a exclusão pretendida, sob pena de se reduzir indevidamente a base de cálculo do IRPJ e da CSLL.
Diante disso, a RFB respondeu o contribuinte no sentido de que o art. 30 da Lei nº 12.973/2014, inclusive o seu § 4º, teve vigência apenas até 31.12.2023 e que, no período em que esteve em vigor, a exclusão de incentivos ou benefícios de ICMS como subvenção para investimento dependia, necessariamente, da caracterização de acréscimo patrimonial e do atendimento dos requisitos legais, o que supostamente não teria ocorrido no caso da redução de base de cálculo de ICMS prevista no RICMS/RJ, razão pela qual não seria possível excluir tais valores da base de cálculo do IRPJ e da CSLL.
4) SC COSIT n° 203/2025 – Critérios para apuração do ganho de capital em imóvel rural na ausência de DIAT
A RFB consolidou entendimento sobre a apuração do ganho de capital na alienação de imóvel rural adquirido a partir de 1997, em caso em que o contribuinte não apresentou o Documento de Informação e Apuração do ITR (Diat).
De acordo com o regime previsto no art. 19 da Lei nº 9.393/1996, a sistemática ordinária pressupõe a entrega do Diat nos anos da aquisição e da alienação, hipótese em que o valor de alienação corresponderia ao Valor da Terra Nua (VTN) declarado no Diat do ano da venda e o custo de aquisição ao VTN declarado no Diat do ano da compra, conforme arts. 10 e 19 da Instrução Normativa SRF nº 84/2001.
De acordo com a RFB, a referência ao art. 14 da Lei nº 9.393/1996 tem apenas a função de advertir que o VTN informado está sujeito a arbitramento em casos de subavaliação ou de informações inexatas, incorretas ou fraudulentas. Todavia, para as situações em que o contribuinte não tenha apresentado Diat no ano da aquisição, no da alienação ou em ambos, a própria IN SRF nº 84/2001 estabelece solução específica: o ganho de capital deve ser apurado com base nos valores constantes dos documentos de aquisição e de alienação, que passam a ser considerados, respectivamente, como custo de aquisição e valor de alienação do imóvel rural.
A Receita ainda ressalta que a expressão “valor da terra nua declarado pelo alienante”, constante do art. 10 da instrução, diz respeito ao próprio contribuinte que está apurando o ganho de capital, e não ao vendedor anterior.
Com isso, a RFB assentou que, na falta de DIAT, a apuração do ganho de capital na alienação de imóvel rural adquirido a partir de 1997 deve, obrigatoriamente, utilizar os valores dos instrumentos de compra e venda, afastando a aplicação da sistemática baseada em VTN declarado.