O Supremo Tribunal Federal (STF) tem sido palco de um dos mais importantes debates jurídicos da atualidade no Brasil: a reinterpretação do artigo 19 da Lei nº 12.965/2014 (Marco Civil da Internet). Este dispositivo legal, que condiciona a responsabilização civil de provedores de aplicações de internet por conteúdos gerados por terceiros à existência de uma ordem judicial prévia para a remoção do material, tem sido o pilar da chamada neutralidade de rede e da proteção à liberdade de expressão no ambiente digital.

O artigo 19 do Marco Civil da Internet estabelece que os provedores de aplicações de internet somente poderão ser responsabilizados civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomarem as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço, tornar indisponível o conteúdo apontado como ilícito. Tal disposição visa assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura.

No entanto, diante da crescente complexidade e dos desafios impostos pela disseminação de conteúdos ilícitos, como discursos de ódio, desinformação e crimes contra a honra, o STF tem avançado em um novo entendimento que visa ampliar a responsabilidade das plataformas digitais.

Neste sentido, ao analisar dois Recursos Extraordinários, RE 1037396 e RE 1057258, o Supremo tem discutido a constitucionalidade da exigência de prévia ordem judicial para a responsabilização das plataformas.

Nas últimas sessões de julgamento, ocorridas entre os dias 5 e 12 de junho, a maioria dos ministros tem se posicionado pela inconstitucionalidade ou inconstitucionalidade parcial do Artigo 19, argumentando que o dispositivo, tal como está, não oferece proteção suficiente aos usuários e à sociedade diante da velocidade e do alcance da disseminação de conteúdos ilícitos.

Assim, formou-se maioria para alterar o regime de responsabilidade das plataformas digitais. Seis ministros votaram a favor de uma maior responsabilização das plataformas, enquanto o Ministro André Mendonça entendeu pela constitucionalidade do dispositivo.

Os votos dos ministros, embora convergindo para a necessidade de uma maior responsabilização, apresentam nuances e propostas distintas sobre como essa nova responsabilidade deve ser aplicada.

Em comum, os ministros reconheceram que a responsabilização civil das plataformas não pode estar condicionada, de forma absoluta, à existência de ordem judicial. Houve convergência no sentido de que, diante de conteúdos manifestamente ilícitos, as plataformas devem atuar sem necessidade de ordem judicial, bastando notificação extrajudicial ou, em alguns casos, até mesmo a ciência inequívoca. Também houve consenso de que as plataformas podem ser responsabilizadas por atos próprios, especialmente quando contribuem diretamente para a propagação do ilícito por meio de algoritmos, impulsionamento ou falta de mecanismos eficazes de controle. Além disso, reconheceu-se a insuficiência do modelo atual de autorregulação e a necessidade de aprimoramento legislativo, diante da evolução do papel das plataformas na comunicação social e no impacto sobre direitos fundamentais e o regime democrático.

Divergindo dos demais, o Ministro André Mendonça votou pela constitucionalidade do Artigo 19, defendendo que a remoção ou suspensão de perfis de usuários só deve ocorrer quando comprovadamente falsos ou com atividade ilícita, além de entender que “o particular diretamente responsável pela conduta ofensiva é quem deve ser efetivamente responsabilizado via ação judicial contra si promovida” e acrescenta “excetuados os casos expressamente autorizados em lei, as plataformas digitais não podem ser responsabilizadas pela ausência de remoção de conteúdo veiculado por terceiro, ainda que posteriormente qualificado como ofensivo pelo Poder Judiciário, aí incluídos os ilícitos relacionados à manifestação de opinião ou do pensamento”. Para o Ministro, uma decisão para exclusão de postagem exige fundamentação específica.

Situação Atual e Próximos Passos

O julgamento do art. 19 do Marco Civil da Internet no STF ainda não foi concluído. A análise será retomada na sessão do dia 25 de junho.

Após a apresentação dos votos restantes, passará para a consolidação das teses propostas. O objetivo é unificar os entendimentos majoritários formados ao longo das sessões e fixar uma tese final que servirá como precedente para processos sobre o mesmo tema.

É importante ressaltar que, mesmo com a maioria formada, há divergências significativas entre os ministros no que se refere aos detalhes da aplicação da responsabilidade, como os tipos específicos de crimes que devem ser monitorados e removidos de imediato. O desafio do STF é firmar uma tese que contemple essas nuances.

Os próximos passos serão cruciais para a definição dos contornos dessa nova realidade jurídica no Brasil.