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Projeto de Lei nº 2379/2025: Novas Perspectivas para a Proteção de Dados Biométricos na LGPD
A crescente digitalização de serviços e a busca por mecanismos de segurança cada vez mais robustos têm popularizado o uso de tecnologias de reconhecimento facial. Desde o acesso a aplicativos bancários até a entrada em condomínios, a biometria facial se apresenta como uma solução ágil e moderna.
Contudo, essa conveniência suscita debates importantes sobre privacidade e a proteção de um dos dados mais sensíveis e imutáveis que possuímos: o nosso rosto. Nesse contexto, o Projeto de Lei nº 2379/2025, de autoria do Deputado Federal Fabio Schiochet, propõe uma alteração significativa na Lei nº 13.709/2018 (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais – LGPD), com o objetivo de assegurar ao cidadão o direito de escolha em processos de identificação que envolvam seus dados biométricos faciais.
O Tratamento de Dados Sensíveis na LGPD
A LGPD estabelece um regime jurídico rigoroso para o tratamento de dados pessoais no Brasil. Dentro de sua estrutura, a lei confere uma proteção ainda mais elevada aos dados pessoais sensíveis. Conforme o Art. 5º, inciso II, da LGPD, um dado sensível é aquele relacionado à “origem racial ou étnica, convicção religiosa, opinião política, filiação a sindicato ou a organização de caráter religioso, filosófico ou político, dado referente à saúde ou à vida sexual, dado genético ou biométrico, quando vinculado a uma pessoa natural”.
Por serem únicos e permanentes, os dados biométricos, como a imagem facial, enquadram-se nesta categoria. O tratamento de dados sensíveis, segundo o Art. 11 da LGPD, só pode ocorrer em hipóteses restritas, sendo a principal delas o fornecimento de consentimento específico e destacado pelo titular, para finalidades específicas.
Outras bases legais, como o cumprimento de obrigação legal ou o exercício regular de direitos, dentre outras hipóteses, também são previstas. No entanto, a prática de mercado tem demonstrado que, muitas vezes, o titular não possui uma alternativa real, sendo compelido a fornecer seu dado biométrico como condição para acessar serviços, o que descaracteriza o consentimento como uma manifestação de vontade livre e informada.
Adicionalmente, um dos pontos mais críticos e que o Projeto de Lei busca endereçar é a coleta e o armazenamento de dados biométricos para finalidades pontuais, que não geram um vínculo permanente ou contínuo entre o titular e o agente de tratamento. É o que ocorre, por exemplo, no controle de acesso a edifícios comerciais.
Um visitante que precisa acessar o local para uma única reunião é frequentemente submetido à coleta de sua biometria facial, que fica armazenada no banco de dados da administradora do prédio, muitas vezes sem um prazo claro para eliminação. Essa prática levanta sérios questionamentos à luz dos princípios da LGPD.
O princípio da finalidade, previsto no Art. 6º da lei, determina que o tratamento deve se ater a propósitos legítimos, específicos e explícitos. No exemplo, a finalidade é, estritamente, a segurança e o controle de acesso para aquela visita específica. Uma vez que a visita se encerra, a finalidade original é plenamente alcançada.
Nesse sentido, o Art. 15 da LGPD é claro ao estipular que o tratamento de dados deve ser encerrado quando “a finalidade foi alcançada ou de que os dados deixaram de ser necessários ou pertinentes ao alcance da finalidade específica almejada”. A manutenção indefinida de um dado biométrico após a saída do visitante configura, portanto, uma prática desalinhada com a lei, que prevê a eliminação dos dados após o término do tratamento, ressalvadas as hipóteses legais de conservação.
O PL 2379/2025 atua diretamente sobre essa questão ao garantir que o titular tenha, de antemão, “uma alternativa que não envolva a coleta ou o tratamento de dados biométricos faciais” para uma finalidade tão transitória.
Isso não apenas reforça o poder de escolha do cidadão, mas também mitiga o risco da criação de grandes e desnecessários bancos de dados biométricos, cujo armazenamento prolongado pode carecer de base legal e de uma finalidade legítima que o justifique.
A Proposta do PL 2379/2025: Autonomia e Garantias ao Titular
O cerne do PL 2379/2025 é fortalecer dos direitos e a autodeterminação informativa do titular sobre seus dados pessoais, especialmente os biométricos faciais. A proposta legislativa visa impedir que a tecnologia de reconhecimento facial se torne a única porta de acesso a serviços, direitos e ambientes, tanto físicos quanto digitais. Para isso, o projeto propõe a inclusão do Art. 20-A na lei.
A ideia central é garantir um equilíbrio entre a busca por segurança e inovação por parte das empresas e o respeito aos direitos fundamentais de liberdade e privacidade do cidadão. A justificativa do projeto ressalta que a premissa de infalibilidade dos sistemas de reconhecimento facial não se sustenta, citando casos de fraudes que burlaram a biometria da plataforma Gov.br, o que reforça a necessidade de oferecer alternativas ao titular.
Principais Pontos do Projeto de Lei
O texto do PL introduz o Art. 20-A e seus parágrafos, que estabelecem novas e claras obrigações aos agentes de tratamento:
- Direito à Alternativa: O ponto principal é o direito do titular de ter, em qualquer processo de identificação ou autenticação, “pelo menos uma alternativa que não envolva a coleta ou o tratamento de dados biométricos faciais”. A única exceção seria a existência de uma exigência legal expressa em contrário.
- Proibição de Penalidades pela Recusa: O projeto veda que a recusa do titular em fornecer seus dados biométricos faciais seja usada como justificativa para impedir ou dificultar seu acesso a serviços ou ambientes. Para que esse direito seja garantido, o titular deve se dispor a realizar a identificação por meio das outras opções que devem ser obrigatoriamente oferecidas.
- Dever de Informação Clara: Os agentes de tratamento terão o dever de informar, de maneira clara e acessível, as opções disponíveis para identificação. Em plataformas digitais, essa alternativa deverá ser apresentada de forma explícita e visível já no momento do cadastro e em todos os fluxos de autenticação subsequentes.
- Vedação à Coleta Compulsória: O projeto proíbe expressamente que o fornecimento de produtos, serviços ou o acesso a locais seja condicionado à coleta compulsória de dados sensíveis, como a imagem facial, tornando obrigatória a disponibilização de uma alternativa de identificação não biométrica.
Conclusão
O Projeto de Lei nº 2379/2025, reforça que a implementação de novas tecnologias deve ser pautada não apenas pela eficiência, mas também pelo atendimento à LGPD E aos direitos dos titulares. A proposta está em alinhamento com os princípios basilares da LGPD, como os da finalidade, da adequação e, sobretudo, da necessidade, que limita o tratamento ao mínimo indispensável para a realização de seus objetivos.
A exigência de dados biométricos, por sua natureza sensível e imutável, deve ser a última opção, e não a única. Para as empresas que utilizam ou pretendem utilizar o reconhecimento facial, a tramitação deste projeto serve como um alerta para a importância de desenvolver, desde já, métodos alternativos de identificação que sejam seguros e funcionais. A adequação às normas de proteção de dados não é apenas uma obrigação legal, mas um pilar para a construção de uma relação de confiança com o titular, que, no fim, é o verdadeiro dono de suas informações.