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O objetivo deste informativo é deixar nossos clientes e contatos por dentro de todos os temas que foram repercutidos nas esferas municipais, estaduais e federal.

Surgindo dúvidas, os profissionais da equipe Tributária do Villemor Amaral Advogados estarão à disposição para esclarecimentos adicionais.

Confira o conteúdo abaixo:

ESFERA FEDERAL

  • Solução de Consulta COSIT nº 75/2025: Interpretação da Receita Federal sobre trusts irrevogáveis e discricionários gera insegurança jurídica

A Solução de Consulta COSIT nº 75/2025, publicada em 30.04.2025, tratou especificamente do enquadramento tributário de um trust irrevogável e discricionário em que figura como potencial beneficiário um residente no Brasil, para tratar de aspectos da Lei nº 14.754/2023, que disciplina sobre a tributação de ativos no exterior.

O caso apresentado envolvia um trust instituído em 2008 nos Estados Unidos, com capital inicial aportado por pessoa jurídica estrangeira e criado para proteção patrimonial de descendentes de um acionista de empresa brasileira. Segundo o relatório, o settlor original nunca exerceu controle, usufruto ou qualquer influência relevante sobre o patrimônio transferido, e o trustee exerceu discricionariedade absoluta, não havendo nenhuma distribuição de ativos ou rendimentos ao longo de 17 anos. Em sua consulta, o pai do menor apontou que, em razão dessa discricionariedade e da inexistência de decisão de liberação de recursos, o beneficiário não reuniria condições para ser considerado titular dos bens até a efetiva distribuição, de acordo com o art. 12, IV, da Lei nº 14.754/2023.

No entanto, a Receita Federal sustentou entendimento diverso: amparando-se no § 1º do art. 10 da Lei 14.754/2023, concluiu que, em trusts irrevogáveis, bastaria a indicação formal do beneficiário, “pessoa indicada para receber do trustee os bens e direitos objeto do trust”, para que este seja considerado titular, para efeitos de tributação pelo Imposto de Renda, dos ativos e dos rendimentos não distribuídos.

Em outras palavras, ainda que o beneficiário não tenha usufruído de qualquer rendimento, não detenha controle sobre o trust e sequer tenha ciência de sua condição, a forma de sua designação já lhe conferiria a obrigação de declarar os bens na ficha de “Bens e Direitos” da DAA e de apurar ganhos de capital e rendimentos tributáveis.

O parecer da COSIT adotou o critério de “cadeia patrimonial” para identificar o instituidor brasileiro final, ainda que os ativos tenham sido transferidos de pessoa jurídica estrangeira, e imputou ao beneficiário a titularidade sobre todo o patrimônio do trust. Ressaltou-se que a discricionariedade do trustee e a ausência de distribuição não afastariam o enquadramento, pois o texto legal não faria distinção entre trusts discricionários e determinísticos: o mero vesting formal já configuraria o fato gerador do imposto.

Contudo, essa interpretação revela-se problemática sob alguns aspectos.

Em primeiro lugar, confunde-se o plano formal (indicação no instrumento) com o plano fiscal, que exige, conforme o art. 43 do Código Tributário Nacional, a aquisição de disponibilidade econômica ou jurídica como condição do fato gerador do Imposto de Renda. No trust  discricionário, a distribuição depende exclusivamente da vontade do trustee e o beneficiário permanece em mera expectativa de direito, sem qualquer garantia ou poder de exigir recursos. Assim, a tributação de tal expectativa antecipa o imposto sobre um evento futuro e incerto.

Em segundo lugar, a interpretação colide com os próprios fundamentos do regime de transparência fiscal da Lei 14.754/2023. Os artigos 10 a 12 dispõem que o settlor manteria titularidade enquanto detivesse poderes relevantes (revogação, controle, usufruto etc.) e que a titularidade migraria ao beneficiário somente quando este adquirisse disponibilidade, ou, especificamente em trusts irrevogáveis, mediante abdicação inequívoca do instituidor. O parecer, contudo, extrapola essa abdicação ao considerá-la automática somente pelo fato do trust ser irrevogável, sem exigir qualquer manifestação expressa do instituidor.

Na prática, a exigência de declaração e tributação sobre ativos não disponíveis ao beneficiário gera insegurança jurídica e pode provocar bitributação. Isso porque, se tanto o settlor quanto o beneficiário residirem no Brasil, ambos poderiam ser alcançados pela mesma base tributável. Além disso, trusts  instituídos em favor de filhos menores, por exemplo, teriam que ser informados em declarações de IRPF de beneficiários que talvez não venham a usufruir dos bens e não tenham minimamente ciência de sua condição, afrontando os princípios da razoabilidade e da isonomia.