Confira a edição de maio de 2024 do Boletim de Jurisprudência, elaborado pelo nosso time de Saúde.

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PROCESSO 01

Dados do Processo
REsp 2.108.270-SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 23/4/2024, DJe 26/4/2024.

Destaque
O reajuste por aumento de sinistralidade só pode ser aplicado pela operadora, de forma complementar ao reajuste por variação de custo, se demonstrado, a partir de extrato pormenorizado, o incremento na proporção entre as despesas assistenciais e as receitas diretas do plano, apuradas no período de doze meses consecutivos, anteriores à data-base de aniversário considerada como mês de assinatura do contrato.

Ementa

Recurso especial. Ação declaratória de nulidade de cláusula contratual C/C restituição de valores e obrigação de fazer. Ausência de prequestionamento. Súm. 211/SJT. Negativa de prestação jurisdicional não configurada. Plano de saúde coletivo. Reajuste anual. Aumento de sinistralidade não demonstrado. Abusividade configurada. Embargos de declaração. Intento manifestamente protelatório não caracterizado. Multa do Art. 1026, § 2º, do CPC, afastada.

  1. Ação declaratória de nulidade de cláusula contratual c/c restituição de valores e obrigação de fazer, ajuizada em 19/06/2019, da qual foi extraído o presente recurso especial, interposto em 12/07/2023 e concluso ao gabinete em 10/11/2023.
  2. O propósito recursal é decidir sobre: (i) a negativa de prestação jurisdicional; (ii) a apuração, em liquidação de sentença, do índice de reajuste por aumento de sinistralidade aplicado pela operadora do plano de saúde coletivo e (iii) o cabimento da multa fundada na oposição de embargos de declaração manifestamente protelatórios.
  3. A ausência de decisão acerca dos dispositivos legais indicados como violados impede o conhecimento do recurso especial (súm. 211/STJ).
  4. É firme a jurisprudência do STJ no sentido de que não há ofensa ao art. 1.022 do CPC quando o Tribunal de origem, aplicando o direito que entende cabível à hipótese soluciona integralmente a controvérsia submetida à sua apreciação, ainda que de forma diversa daquela pretendida pela parte.
  5. Esclarece a ANS, sobre o reajuste anual de planos coletivos, que a justificativa do percentual proposto deve ser fundamentada pela operadora e seus cálculos (memória de cálculo do reajuste e a metodologia utilizada) disponibilizados para conferência pela pessoa jurídica contratante com o mínimo de 30 dias de antecedência da data prevista para a aplicação do reajuste.
  6. O reajuste por aumento de sinistralidade só pode ser aplicado pela operadora, de forma complementar ao reajuste por variação de custo, se e quando demonstrado, a partir de extrato pormenorizado, o incremento na proporção entre as despesas assistenciais e as receitas diretas do plano, apuradas no período de doze meses consecutivos, anteriores à data-base de aniversário considerada como mês de assinatura do contrato.
  7. Além de responder administrativamente, perante a ANS, por eventual infração econômico-financeira ou assistencial, a aplicação do reajuste pela operadora, sem comprovar, previamente, o aumento de sinistralidade, torna abusiva a cobrança do beneficiário a tal título.
  8. Se a operadora, em juízo, é instada a apresentar o extrato pormenorizado que demonstra o aumento da sinistralidade – o mesmo, aliás, que deveria ter sido apresentado à estipulante – e permanece inerte, outra não pode ser a conclusão senão a de que é indevido o reajuste exigido, por ausência do seu fato gerador, impondo-se, pois, o seu afastamento; do contrário, estar-se-ia autorizando o reajuste sem causa correspondente, a ensejar o enriquecimento ilícito da operadora.
  9. Afasta-se a multa do art. 1.026, § 2º, do CPC, quando não se caracteriza o intento manifestamente protelatório na oposição dos embargos de declaração.
  10. Recurso especial conhecido em parte e, nessa extensão, parcialmente provido.

 

PROCESSO 02

Dados do Processo
REsp 2.037.616-SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Rel. para acórdão Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Segunda Seção, por unanimidade, julgado em 24/4/2024, DJe 8/5/2024.

Destaque
Nos tratamentos de caráter continuado, deverão ser observadas, a partir da sua vigência, as inovações trazidas pela Lei n. 14.454/2022, diante da aplicabilidade imediata da lei nova.

Ementa
Recurso especial. Civil. Plano de saúde. Ação de obrigação de fazer. Rol da ANS. Natureza jurídica. Pressupostos de superação. Critérios da segunda seção. Legislação superveniente. Irretroatividade. Caráter inovador. Tratamento continuado. Aplicação Ex Nunc. Neoplasia maligna. Medicamento quimioterápico. Diretrizes de utilização (DUT). Mero elemento organizador da prescrição farmacêutica. Efeito impeditivo de tratamento assistencial. Afastamento.

  1. Tratam os autos da interpretação do alcance das normas definidoras do plano referência de assistência à saúde, também conhecido como Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde, elaborado periodicamente pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), sobretudo com relação às Diretrizes de Utilização (DUT).
  2. Quando do julgamento dos EREsps nºs 1.886.929/SP e 1.889.704/SP, a Segunda Seção desta Corte Superior uniformizou o entendimento de ser o Rol da ANS, em regra, taxativo, podendo ser mitigado quando atendidos determinados critérios.
  3. A Lei nº 14.454/2022 promoveu alteração na Lei nº 9.656/1998 (art. 10, § 13) para estabelecer critérios que permitam a cobertura de exames ou tratamentos de saúde que não estão incluídos no Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde Suplementar.
  4. Com a edição da Lei nº 14.454/2022, o Rol da ANS passou por sensíveis modificações em seu formato, suplantando a eventual oposição rol taxativo/rol exemplificativo.
  5. A superveniência do novo diploma legal (Lei nº 14.454/2022) foi capaz de fornecer nova solução legislativa, antes inexistente, provocando alteração substancial do complexo normativo. Ainda que se quisesse cogitar, erroneamente, que a modificação legislativa havida foi no sentido de trazer uma “interpretação autêntica”, ressalta-se que o sentido colimado não vigora desde a data do ato interpretado, mas apenas opera efeitos ex nunc, já que a nova regra modificadora ostenta caráter inovador.
  6. Em âmbito cível, conforme o Princípio da Irretroatividade, a lei nova não alcança fatos passados, ou seja, aqueles anteriores à sua vigência. Seus efeitos somente podem atingir fatos presentes e futuros, salvo previsão expressa em outro sentido e observados o ato jurídico perfeito, a coisa julgada e o direito adquirido.
  7. Embora a lei nova não possa, em regra, retroagir, é possível a sua aplicação imediata, ainda mais em contratos de trato sucessivo. Assim, nos tratamentos de caráter continuado, deverão ser observadas, a partir da sua vigência, as inovações trazidas pela Lei nº 14.454/2022, diante da aplicabilidade imediata da lei nova. Aplicação também do Enunciado nº 109 das Jornadas de Direito da Saúde, ocorridas sob a coordenação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
  8. Mantém-se a jurisprudência da Segunda Seção do STJ, que uniformizou a interpretação da legislação da época, devendo incidir aos casos regidos pelas normas que vigoravam quando da ocorrência dos fatos, podendo a nova lei incidir, a partir de sua vigência, aos fatos daí sucedidos.
  9. A Diretriz de Utilização (DUT) deve ser entendida apenas como elemento organizador da prestação farmacêutica, de insumos e de procedimentos no âmbito da Saúde Suplementar, não podendo a sua função restritiva inibir técnicas diagnósticas essenciais ou alternativas terapêuticas ao paciente, sobretudo quando já tiverem sido esgotados tratamentos convencionais e existir comprovação da eficácia da terapia à luz da medicina baseada em evidências.
  10. Na hipótese, aplicando os parâmetros definidos para a superação, em concreto, da taxatividade do Rol da ANS (que são similares à inovação trazida pela Lei nº 14.454/2022, conforme também demonstra o Enunciado nº 109 das Jornadas de Direito da Saúde), verifica-se que a autora faz jus à cobertura pretendida de tratamento ocular quimioterápico com antiangiogênico
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  11. Recurso especial não provido.