Em mais um capítulo envolvendo a disputa entre o Governo Federal e o Congresso Nacional, em 25/04/2024, o Ministro Cristiano Zanin concedeu, em parte, a medida cautelar postulada pelo Presidente da República no bojo da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) n° 7633, para suspender a eficácia dos artigos 1º, 2º, 4º e 5º da Lei Federal nº 14.784/2023, enquanto não sobrevier demonstração do cumprimento do estabelecido no artigo 113 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), inserido pela Emenda Constitucional n° 95/2016, a fim de que a prorrogação do benefício fiscal concedida pelo Congresso esteja acompanhada da estimativa do seu impacto orçamentário e financeiro.

A decisão possui efeitos “ex nunc”, ou seja, daqui para frente, sem abarcar recolhimentos já efetuados pelos contribuintes com base na Lei Federal 14.784/2023.

A Lei Federal nº 14.784/2023, que é resultado do Projeto de Lei (PL) n° 334/2023, prorrogara por mais 4 anos a desoneração da folha salarial para os 17 setores da economia que mais empregam no país (confecção e vestuário, calçados, construção civil, call center, comunicação, construção e obras de infraestrutura etc), conforme previsto nos artigos 7° e 8° da Lei Federal n° 12.546/2011. O PL havia sido vetado integralmente pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, todavia, com a derrubada do veto pelo Congresso Nacional, a Lei foi promulgada pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, em 27/12/2023.

Com a promulgação da Lei Federal nº 14.784/2023, as empresas beneficiadas poderiam substituir o recolhimento de 20% de imposto sobre a folha de salários por alíquotas de 1% até 4,5% sobre a receita bruta. A Lei também havia reduzido, de 20% para 8%, a alíquota da contribuição previdenciária sobre a folha dos municípios com população de até 142.632 habitantes, e, como medida compensatória, ante a diminuição da arrecadação, a norma prorrogou o aumento de 1% da alíquota da COFINS-Importação até dezembro de 2027.

Insatisfeito com a diminuição da arrecadação federal, o Presidente, com base nas orientações do Ministro da Fazenda, Fernando Haddad, publicou a Medida Provisória n° 1.202/2023, no dia seguinte à publicação da Lei 14.784/2023, que, entre outras providências, determinava o retorno gradual da oneração da folha de pagamentos.

Instaurou-se, então, verdadeira celeuma entre o Poder Executivo Federal e o Congresso. Porém, depois de muitas reuniões, em 28/02/2024, foi publicada a MP n° 1.208/2024, que alterou parte dos dispositivos e revogou parcialmente a MP n° 1.202/2023, para reestabelecer a desoneração da folha de pagamentos. A MP n° 1.208/2024 revogou os artigos 1° a 3° e as alíneas “c” e “d”, do inciso II do artigo 6° da MP n° 1.202/2023, bem como os seus Anexos I e II, que definiam quais os tipos de atividades que poderiam ser contemplados com a aplicação da alíquota reduzida da contribuição previdenciária sobre a folha. Com isso, havia voltado a valer o regime previsto no artigo 7° a 10 da Lei Federal n° 12.546/2011 (prorrogado até 31/12/2027 pela Lei Federal nº 14.784/2023) para as empresas que exercem as atividades previstas no artigo 14, §§4° e 5° da Lei Federal n° 11.774/2008.

Agora, com a decisão monocrática proferida pelo Ministro Cristiano Zanin, que está sendo submetida a referendo no Plenário Virtual do Supremo Tribunal Federal (STF) desde sexta-feira (26/04/2024), o clima entre os poderes voltou a ficar tenso.

A ADI 7633 em tela tem por objeto (i) a declaração de inconstitucionalidade dos artigos 1º, 2º, 4º e 5º da Lei Federal n°14.784/2023, bem como da “prorrogação seletiva” da Medida Provisória (MP) nº 1.202/2023, de 28 de dezembro de 2023, levada a efeito pelo Presidente do Congresso Nacional; e (ii) a declaração de constitucionalidade do artigo 4º da mesma MP n° 1.202/2023, que estabeleceu limites para a compensação de créditos tributários da União. A ação foi distribuída por prevenção em virtude de outras ações sobre o mesmo tema distribuídas anteriormente (ADI 7587 e ADI 7609).

Como fundamentos, a ADI suscitou violação a dispositivos do ADCT, da Lei de Responsabilidade Fiscal e da Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2023, sustentando, ainda, a existência de um bloco de normatividade, dentro do qual as ditas disposições infraconstitucionais se acoplariam como parâmetro de controle com fundamento nos §§2º e 6º do artigo 165 da Constituição.

Ao apreciar a questão, Zanin afirmou que a Lei Federal nº 14.784/2023 violou o artigo 113 da ADCT que prevê que “A proposição legislativa que crie ou altere despesa obrigatória ou renúncia de receita deverá ser acompanhada da estimativa do seu impacto orçamentário e financeiro”. O Ministro ressaltou que “Referida disposição foi encartada à Constituição a partir de um sentimento social comum sobre a necessidade de conciliar o Estado de bem-estar social com um regime fiscal equilibrado, que não onere demasiadamente as contas públicas, já que as crises econômicas acabam atingindo toda a sociedade, especialmente a população mais vulnerável”, bem como que “A necessidade de equilíbrio fiscal relaciona-se diretamente com a capacidade de implementar e manter importantes políticas públicas, inclusive aquelas relacionadas à redução das desigualdades sociais. Sendo assim, para que se possa assegurar a concretude dos direitos sociais previstos na Constituição, é fundamental que se preserve o equilíbrio das contas públicas”.

Constou da decisão monocrática que a Lei Federal também infringiria as regras previstas na Lei de Responsabilidade Fiscal, de modo que caberia ao Supremo realizar um controle mais rígido para que as leis editadas respeitassem o novo regime fiscal, dando concretude ao princípio da sustentabilidade orçamentária que, conforme jurisprudência da Corte, deve ser respeitada por todos os entes da federação.

O Ministro também ressaltou que o STF já decidiu deferimento de medida cautelar em outras situações envolvendo essa mesma questão constitucional como, por exemplo, na ADI 7145, de relatoria do Ministro Luís Roberto Barroso, e na ADPF 662, de relatoria do Ministro Gilmar Mendes. Em ambos os casos, foi confirmada a necessidade de se atender o que determina o artigo 113 da ADCT quanto à concessão de benefícios fiscais, ao menos enquanto requisito formal do devido processo legislativo.

Ainda no dia 26/04/2024, o Senado Federal interpôs o recurso de agravo regimental, com pedido de reconsideração, contra a decisão monocrática, a fim de requerer a revogação da liminar concedida. No recurso, o Senado sustentou que a Lei Federal n° 14.784/2023 cumpriu o requisito do artigo 113 da ADCT e que a decisão monocrática afrontaria o artigo da 10 Lei Federal n° 9.868/1999 (que regulamenta o processo e o julgamento da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade perante o STF) por violação à cláusula de Reserva de Plenário, com imediata suspensão dos efeitos da cautelar deferida.

De acordo com o Senado, o PL 334/2024 previa a estimativa do impacto financeiro e orçamentário. Além disso, a lei apenas teria prorrogado o benefício já existente desde 2011 e o STF já havia decidido que não há inconstitucionalidade no caso de uma prorrogação, tendo em vista que esse impacto havia sido previsto na criação do benefício e que o lastro financeiro para a desoneração foi o incremento de 1% sobre a COFINS-Importação.

Os diversos setores beneficiados pela desoneração da folha também vêm se mostrando insatisfeitos com o desenrolar da disputa entre os poderes em razão da insegurança jurídica que se instaurou sobre o tema. Agora, precisamos acompanhar o término do julgamento da ADI pelo Plenário do STF, bem como a apreciação do recurso interposto pelo Senado, a fim de verificar os próximos capítulos da controvérsia e como serão confirmadas as regras fiscais objetos do debate.

Por fim, é importante mencionar que o Ministro Luiz Fux pediu vista (mais tempo para análise), o que interrompeu o julgamento. O prazo para devolução do processo para julgamento é de 90 dias.